segunda-feira, 20 de junho de 2011

ENCONTRO NO CONVENTO


(Aos alunos de História de Ourém)

Manhã radiosa era aquela na encosta do castelo. Tinham passado anos, muitos anos, desde que os frades capuchos haviam abandonado o convento.
Mais de meio século separava assim os dois Irmãos recém-chegados, frei Antão e frei Romão. Ambos haviam sido companheiros ali no Convento de Santo António de Ourém. Com a extinção das ordens em 1834 por Joaquim de Aguiar, e desvinculados dos votos religiosos, cada um dos frades partira à sua vida.
Mas o mundo dera muitas voltas. Os dois antigos noviços pensaram voltar pelo próprio pé ao velho convento semi-abandonado. Tinham andado pela Europa, haviam estagiado no Oriente e foram até à América. Todavia, distanciados agora das respectivas famílias, algures em dispersão, cada um, sem nada saber do outro, decidiu regressar àquele lugar da mocidade.
Neste entrementes, várias courelas do património conventual, confiscado, haviam sido alienadas. Mas o espaço central tinha sido transformado em Hospital e em casa da Misericórdia. Estas instituições de caridade e amor ao próximo, tinham descido do seio das muralhas para a meia-encosta. E assim as vieram reencontrar, por conseguinte, os dois monges, já no final do século e das suas vidas, com o único objectivo de poderem ser úteis à comunidade e meditarem no Além.
Haviam rolado, de facto, muitos anos. Tratava-se agora de preparar a partida. A partida sem retorno. Daí pensarem os dois confrades retomar os antigos credos, fazendo ao mesmo tempo uma reflexão profunda sobre o mundo e sobre a vida. A questão não era simples. Mas iriam tentar.
De momento, envergavam ambos um idêntico burel, embora mais modesto e descorado. Mas era o mesmo. O cíngulo alvinitente também era semelhante àquele que lhes envolvera a cintura na juventude. No entanto, continha mais nós o cordão de frei Romão.
Sem quaisquer formalidades, e como se nada houvesse acontecido, desataram a falar os dois Irmãos sobre aquilo que os prendia ali. Brotava-lhes da alma uma saudade imensa daquela colina verdejante voltada a norte. Lembravam o trabalho nas hortas regadas por um fio de água que escorria da velha fonte cimeira e era recolhida num pequeno tanque com desvelo. Também lá estava no coração do vale o “baptistério” encimado pela cruz, armazenando uma água límpida e preciosa. Mas, não obstante, tudo isto parecia muito abandonado, em contraste com o passado sacrossanto ali vivido.
Olhavam os frades para a beleza do vale encimado pela crista da torre da Sé, em que o silêncio daquele rincão era entrecortado apenas pelo chilrear da passarada, onde predominava o tentilhão e dominava o gaio. Rememoravam as badaladas do sino grande, arrancado para a igreja da nova vila, com outras peças e alfaias sagradas. Recordavam, ademais, as entradas e as saídas do refeitório, as orações cadenciadas e as horas de Vésperas e Matinas, pela madrugada. Por outra banda, os ares oxigenados da encosta, turvados pelo estrume dos currais do gado, mas tudo sacudido pelos loureiros odoríferos e pela ramagem dos pinhais e olivais em redor, - tudo trazia uma paz celestial e uma doce harmonia àquela vida comunitária.
Havia, pois, muito que recordar no velho convento de Ourém pelos frades retornados, frei Antão da Reca e frei Romão da Xarneca, – designação das aldeias de origem.
Em tempos remotos, raramente a dezena de frades que habitava o convento subia o resto do monte. Apenas acontecia pela Quaresma e nalgumas festas anuais na Colegiada. Lá no alto era outra história, mais antiga e complicada. No convento, não. Tudo era simples, bucólico, oração contínua e paz de espírito…


(De um livro a publicar)


António Rodrigues Baptista

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